La Burca lança seu Desaforo como resposta para as “merdas” vigentes no país

Café Ataque
5 min readDec 5, 2021

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Conversamos com a Amanda Rocha, líder do grupo com origem no interior de São Paulo e com influências de post-punk, folk e grunge

Clipe de “Mato Sem Cachorro”, da La Burca. Faixa que integra o álbum “Desaforo”, lançado em 2021.

A arte que mais consegue me impactar é aquela que não tenta me dar as respostas e sim a que incentiva a continuar fazendo as perguntas. Em 2015, ouvi pela primeira vez a banda La Burca, formada na época por um duo que mesclava violão, voz e bateria. Com influências desde o (neo)folk passando pelo (pos)punk, o álbum de estreia e homônimo já criava algumas perguntas na minha cabeça e que se traduziam em diferentes respostas, nem sempre assertivas, tampouco ilusórias.

Com um instinto mais selvagem e em busca de libertação, esse disco nasceu forte, com assinatura impressa pela banda do início ao fim das nove faixas que compõem esse trabalho. Primitivo em sua essência, que não significa nem de longe algo rude, o primeiro álbum da La Burca também marca o início de uma experimentação.

Após um EP, lançado em 2015, nasce o segundo álbum no ano seguinte. De nome Kurious Eyes e novamente com nove faixas, o disco mantém a essência selvagem de seu antecessor, mas aumenta o volume e joga ainda mais para o ar uma carga emocional de sua intérprete. Amanda Rocha assume-se definitivamente como front-woman e principal capitã da La Burca.

Em 2021, prestes a lançar o terceiro álbum e batizado como o nome de Desaforo, a La Burca bateu um papo sobre o atual contexto político deste trabalho e como o disco se insere em nossa atual realidade.

A nova formação passou a ser um trio liderado pela Amanda, que mantém a guitarra e o violão, ao lado de Daniel Guedes na segunda guitarra e com o baterista Ed Paolow, que entrou em 2019. No começo de 2020, antes da pandemia, a banda realizou passagens por diferentes cidades e pela primeira vez como trio.

La Burca — Foto: Diogo Carvalho

Desaforo traz temas que questionam o patriarcado, a LGBTfobia, a alienação, corrupção, rupturas e abusos. O álbum foi lançado posteriomente a essa entrevista com o apoio dos selos Lombra Records, Howlin Records (que mudou seu nome para Coletivo Lança) e !punklorecords!, o último é o selo da própria La Burca.

“Queria ser otimista e crer num impeachment desse monstro miliciano nazi que desgoverna o país, mas creio que não rola (ainda!!!! socorro), é muita podridão enraizada e sistemática, favores e conchavos políticos para se importarem com a vida, com a população. Faz tempo que estamos vivendo num ambiente tóxico e cada vez mais opressivo, agressivo, misógino e desigual, é bad trip total ser brasileira nesse momento tão tenso e pandêmico”, comenta Amanda.

De acordo com a vocalista, apesar dos revezes que o Brasil vem sofrendo com o atual presidente, ela busca não desanimar totalmente. “Foi um ano de desaforo mesmo em vários aspectos, quem não teve uma grande reviravolta em 2020 estava em Marte ou é muito privilegiado. O disco é um jorro pessoal do que tinha que ser colocado pra fora, a mensagem acho que é cada um que encontra, é pessoal. Alguns se identificam outros não. Eu só quero me expressar contra toda a merda vigente, mostrar minha raiva e amor ao mundo avesso, a mensagem é faça você mesmo sempre, mesmo que demore cinco anos pra lançar algo”, diz.

A banda reconhece que demorou para lançar um novo trabalho, afinal, foram diversas mudanças nesse período. “Foram três bateristas em três anos e não conseguia pensar em um disco assim”, comenta. O trabalho marca a transição de algumas composições em inglês para o português. “Foi um processo natural, creio. Já faz um tempo que canto umas coisas em português. Cantar com as Mercenárias me incentivou ainda mais, escuto muito Juçara Marçal, Vange Leonel, em específico o disco de estreia da Nau. Foi estranho no começo me escutar, mas é legal também se permitir.”

Em relação aos dez anos da banda, celebrado em 2021, Amanda faz uma breve análise sobre esse período. “Ah, foram várias gangorras, problemas com vícios alheios e meus próprios ‘B.Os’. Não sei se tenho arrependimentos como banda, talvez ter gravado mais e ter evitado estresse com situações com ex-integrantes. Acho que as conquistas tocando música alternativa/ underground no Brasil são as amizades que a gente faz, as minas fodas que tocam e fazem rolês. Conseguir lançar disco, fazer tour e se manter firmona num contexto tão tóxico para a cultura e para as mulheres, mesmo no meio independente”, ressalta.

A frontwoman Amanda Rocha — Foto: Andeson Dias

Quando questionada sobre a importância das parcerias para o lançamento, a vocalista cita até o próprio gato, o Mixirica, que levou para dentro de casa um passarinho morto para dar de presente e a imagem se tornou inspiração para a arte de capa. Apesar da situação bizarra, até esse momento trouxe algumas inspirações. “O encarte também foi muito massa porque a Azucena Rodrigues, uma baita artista plástica peruana aqui em Araraquara, fez uma live painting do nosso último show, em março de 2020, e ficou demais. Aí usamos no encarte. Foi um disco mais coletivo até agora com os selos, fundamentais pra gente lançar agora o trampo. O logo da !punklorecords! foi feito pela minha namorada, a Fefa, que também colaborou.”

Sobre o lançamento de Desaforo, Amanda revela que serão dois volumes pelo selo Lombra Records, sendo o disco físico dividido, como se fosse volume 1 e volume 2. A maioria das músicas em português estará no primeiro volume.

Na época da entrevista próxima ao lançamento do álbum, a maior ansiedade para Amanda era o retorno aos palcos. “Acho que toda banda é um microcosmos da sociedade, e quero continuar fazendo parte tanto de uma quanto de outra e voltar a tocar, se não destruírem o país e a democracia que vivo. Força e leveza e fogo nos negacionistas!”, conclui.

Uma observação necessária: essa entrevista foi feita antes do surgimento da Covid-19 no mundo e não é preciso dizer que o retorno aos palcos da La Burca precisou ser adiado por um período maior do que o imaginado.

Essa matéria foi feita para a Raro Zine e foi publicada orginalmente na edição número 9 da revista — AQUI.

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O fracasso nunca me subiu à cabeça.

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